Reconhecer o tempo de residência médica realizado no Brasil ou reconhecer o título de especialista?
Há pouco tempo, pude encontrar uma pessoa que fez um caminho um pouco mais inusitado com respeito à residência: ele é alemão, fez universidade na Alemanha, aprendeu português durante estágios no estilo Famulatur no Brasil e posteriormente aqui, num curso de português. Depois, terminou a faculdade normalmente na Alemanha e foi fazer residência médica no Brasil.
Esse caminho “ao contrário” do que muitos fazem pode ter, de fato, vantagens para algumas especialidades, principalmente as cirúrgicas. Entretanto, esse colega fez os 3 anos de residência no Brasil sem CRM (!) porque o processo de reconhecimento entre Brasil e Alemanha, como nós sabemos, é, ainda e infelizmente, bastante burocrático.
Acontece que ele fez a prova do Revalida, prova de título da especialidade no Brasil e passou em ambas (o “cába” é bom! )– mas, por ironia ou não, acabou voltando para a Alemanha. Aqui, teve que passar pelo reconhecimento de tempo da residência (já que, como na maioria das especialidades alemãs, há discrepância entre o tempo de residência dos programas brasileiros... por exemplo, Dermatologia são três anos no Brasil, aqui são cinco), mas ele foi esperto: fez com que o chefe do departamento assinasse seu “LogBuch” da especialidade.
Para quem ainda não sabe, o LogBuch é tipo uma tabela com a quantidade de procedimentos, horas de laboratório, ambulatório e etc. que todo residente precisa preencher durante a residência na Alemanha. E, claro, se vc conseguir provar que já fez parte disso, as chances de seu tempo de residência realizada no Brasil ser, pelo menos em parte, reconhecida aqui aumentam. Olha esse link do LogBuch de Dermatologia na Bavaria, por exemplo: https://www.blaek.de/…/Doku/B/D10FAHautGeschlechtskrankheite…
Só que apenas o LogBuch às vezes não é suficiente. Algumas especializações na Alemanha exigem, por exemplo, tempo de UTI, realização de ultrassons ou outros procedimentos invasivos, que, muitas vezes, no Brasil não são vistos no programa básico de residência, e precisam ser repostos aqui.
Fora isso, no final das contas, ele teve a facilidade de não depender de visto de trabalho, já que era cidadão alemão, e de já ter a Approbation em mãos, já que se formou aqui, além de não precisar fazer a Fachsprachprüfung, uma vez que alemão era sua língua-mãe. Porém, ele acabou fazendo a prova de título de especialista aqui na Alemanha também, a “Facharztprüfung”, como qualquer outro.
Ele também poderia ter pedido o reconhecimento direto do título de especialista, uma vez comprovado que os déficits foram sanados, os dois anos trabalhados, e –simples detalhe – que ele tenha um documento afirmando como foi realizada a prova do título de especialista no Brasil: que órgão a prepara, o que é pedido, como a nota é dada, etc. Simples, mas nem tanto.
Na verdade, estou relatando isso para dizer que, mesmo para alemães, esse caminho de fazer residência no Brasil e tentar reconhecer aqui também não é um mar de rosas, envolve muita burocracia, mas é possível. Cada caso é individual, e isso, infelizmente, leva tempo. A ajuda do seu chefe, se ele for bem relacionado, também pode ajudar para que esses trâmites sejam acelerados – mas nem sempre esse é o caso.
Só a título de curiosidade, fui procurar como seria se eu quisesse voltar como dermatologista para o Brasil, uma vez tendo cinco anos de residência na Alemanha, Doutorado, e quatro anos depois da prova de título alemã, mas tendo cursado Medicina na Universidade Federal do Ceará (UFC). Na Sociedade Brasileira de Dermatologia, apenas seria aceita se também fizesse a prova de título lá, no Brasil. Ou seja, tratamento “fair enough”, porque, principalmente na Dermatologia, as escolas americanas (a que o Brasil segue) e europeias são bastante distintas.
Boa semana a todos!
Abraco,
Lídia